O autônomo Marconi Torres, de 46 anos, não levava a sério o uso de máscaras e achava que os outros até poderiam ficar doentes, mas ele, não. Marconi diz que apenas entendeu a gravidade da pandemia quando testou positivo para a Covid-19 e precisou ser levado para o hospital de cadeira de rodas.
- FIQUE ATUALIZADO: Receba nosso conteúdo e esteja sempre informado. Em nosso grupo do WhatsApp (clique aqui)
- FIQUE ATUALIZADO: Entre em nosso grupo do WhatsApp e receba informações em tempo real (clique aqui)
- FIQUE ATUALIZADO: Participe do nosso grupo no Telegram e fique sempre informado (clique aqui)
O g1 publica nesta semana uma série de reportagens com histórias de pessoas que sofreram na pele as consequências do negacionismo e das fake news durante a pandemia.
Veja o depoimento completo de Marconi Torres, autônomo de Serra Talhada (PE):
“Nos primeiros meses da pandemia, eu conhecia muito pouco sobre a doença, eu nunca pesquisei muito. Eu achava que a Covid não era tão grave. Pegou no meu pai, pegou no meu irmão, pegou na minha irmã, mas não foi uma coisa tão grave. Eles se recuperaram em casa mesmo.
Eu andava muito aqui na academia da cidade, em barzinho. Me aglomerava muito. Eu chegava numa mesa com 10, 20 pessoas, a maioria sem máscara.
- FIQUE ATUALIZADO: Para entrar em nosso canal do Telegram (clique aqui)
A máscara me incomodava. Eu realmente não gostava de usar a máscara. Eu achava bonito máscara nos outros, entendeu? Eu achava que quem tinha obrigação de usar a máscara era o outro que estava comigo, não era eu. Se ele tivesse com máscara, nem ele pegava, nem eu pegava.
Do mesmo jeito que eu achava que não pegava [a Covid], eu achava que não ia ser grave [se eu pegasse]. Que ia ser uma coisa leve. Porque eu sou um cara que eu me alimento bem, eu não fumo, bebo às vezes.
Às vezes, eu saía com meu menino e ele pegava no meu pé direto. ‘Painho, cadê a máscara?’ E eu achava que eu não ia pegar. Mas, quando eu peguei, o bicho pegou. Não foi bom, não. Foi preciso eu pagar o preço pra ter medo.
Foi no dia 21 de abril. Eu fui pra minha fazenda. Eu já estava com os sintomas, com disenteria, dor de cabeça, febre. Eu passei quarta, quinta, sexta sem comer nada. Só bebendo água.
Fiz alguns remédios caseiros para dor de barriga e nada dessa disenteria passar. Quando foi no sábado, eu retornei para Serra Talhada. Um amigo meu foi que trouxe o carro, pois nem condições de dirigir eu tinha.
Eu escondi de todo mundo que eu estava nessa situação. Fui irresponsável, né? Como é que você está sentindo alguma coisa e não fala para ninguém? Nem meu pai, nem meus irmãos, ninguém sabia.
Chegou uma pessoa na minha casa e me encontrou num estado deplorável. Quando essa pessoa me viu, falou: ‘Meu filho, você não tá bem, não’ .
Dei entrada na unidade médica de cadeira de rodas, pois eu não conseguia nem andar. Aí foi quando eu vi que ela não brinca, não. A doença não brinca, não.
Eu vi que estava quase morto. O médico disse: ‘Oxigênio nele urgente’. Aí é onde eu digo: sem oxigênio, o cara morre. Ele morre. O médico disse: ‘Se você demora duas ou três horas aí fora, você tinha morrido’.
Esse médico, que é amigo da família, me chamou a atenção. ‘Rapaz, um homem inteligente como você, um cara estudado, um cara da sociedade, um cara que vê todo dia as coisas acontecendo… Aí você tem todos os sintomas que você teve e, em vez de ficar na cidade, procurar uma orientação médica, você vai pra fazenda e fica lá. Mas rapaz…’
Se eu tivesse escutado meu menino, meu filho… Ou se eu tivesse, no dia 21 de abril, chegado em casa, ligado para minha irmã e dito: ‘Ó, tô sentindo sintomas de Covid, me leva pro hospital’. Não, fui para a fazenda, me isolei lá, e cheguei quase morto. Irresponsabilidade.
Eu mesmo quase me mato, entendeu? Ninguém deve fazer isso. Quando você sentir [sintoma], corra. Vá o mais rápido possível ao médico. Porque ninguém sabe o amanhã.
Passei uma semana com aquele oxigênio no nariz. Aquela mangueirinha. Eu fiquei até sem conversar, sem falar nada. Às vezes, eu escutava minha irmã conversando vagamente. Quando você está sem oxigênio, seu cérebro fica desligado.
Quando foi no dia 4 de maio, o médico me liberou e mandou minha irmã me trazer pra casa. Entrei no carro dela, olhei pra trás, pro hospital, e disse: ‘Não quero voltar mais, não’. Aí comecei a chorar.
Você pensa em muita coisa. Meu maior medo de morrer era meu menino, meu filho, entendeu? A única coisa que eu tenho na vida que realmente não tem preço é meu filho.
Só vim ver meu filho um mês depois que eu me recuperei. Mas, mesmo assim, eu de máscara e ele de máscara. Eu não quis arriscar, eu não queria que ele passasse pelo que eu passei.
E é um processo de recuperação meio lento. Meses depois, eu não estou totalmente recuperado. Às vezes, fico meio tonto do nada. Às vezes, dá aquela sensação, como se a pressão tivesse baixado. Às vezes, você esquece de alguma coisa.
Agora, vou usar [máscara] até o dia que disser que acabou [a pandemia]. Porque voltar pro pronto-socorro eu não quero mais.
Muita gente em Serra Talhada, o pessoal aqui na academia… O pessoal brinca ainda. Estão pensando que acabou. Não acabou, não. Eu já tomei a segunda dose da vacina e ainda tenho medo, acredita? Eu ainda tenho medo.
Meu filho só anda de máscara. Ele é um exemplo para mim. Um menino de 11 anos... E eu não queria servir de exemplo para ninguém, pois eu andei me matando por falta de cuidado.
Primeiro: eu não estava nem aí. Chegava nos cantos, sentava, não sabia de onde o cara vinha, de onde o cara não vinha. Não usava máscara. Segundo: quando eu senti os sintomas, eu não fui atrás do médico. Eu deixei para ir tarde. E se não desse tempo? E quase não deu.
É bom você julgar os outros. Você dizer que uma pessoa é irresponsável é fácil demais. Agora, você dizer que você mesmo foi irresponsável, não é todo mundo que diz, não. Eu estou dizendo que eu fui irresponsável.
Eu sabia que estava errado. Quando o próprio presidente da República falava: ‘Não, não use máscara’... Eu fui irresponsável da forma que o presidente foi. Quando o cara diz ‘Não use’, está incentivando o outro a não usar. Mas, a partir do momento que eu não usava, eu estava induzindo as outras pessoas a não usar também.
Eu diria [para as pessoas]: 'Não se espelharem no que eu fiz'. Se seu filho, se seu pai, se seu irmão, se seu amigo olhar para você e disser: ‘Use máscara’, use. Use, porque não é bom [ficar com Covid]. Você não sabe a proporção que ela vai lhe pegar.”