Não foi preciso um grande festival ou um palco iluminado para que a música brasileira produzida em Mato Grosso ganhasse mais fôlego nesta semana da minha vida. Bastou uma “rodada” de sons e boa conversa, uma reunião de olhares atentos e ouvidos abertos para reacender uma certeza: há algo de grandioso ecoando das margens do Cuiabá, das veredas de Cáceres, das praças de Chapada dos Guimarães. E não é novo é ancestral e, ao mesmo tempo, surpreendentemente inédito.
Durante muito tempo, o que se fazia por aqui era chamado de “cena regional” (e, infelizmente, ainda há quem nos rotule assim), como quem tenta colocar um limite à potência. Mas a música não aceita cercas. Hoje, os ritmos que nascem sob o sol de Mato Grosso caminham com passos largos pelos olhos e ouvidos do país, com timbres e identidades que não pedem licença a ninguém. Apenas chegam. E encantam.
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“Não tenho sobrenome famoso, não tinha acesso, nem influência… Só me restava ser verdadeiro.” Poderia ser um verso perdido, mas é a alma de quem canta com coragem. Essa fala poderia ser de Pescuma, de Ana Rafaela, do grupo Caximir ou da banda Calorosa — artistas que fizeram e fazem da coragem um ofício e da autenticidade, uma referência.
Eles não desafiaram apenas o eixo Rio–São Paulo. Eles desafiaram o tempo. Reinventaram o rasqueado, deram nova roupa ao siriri, fundiram o lambadão e fizeram da MPB uma ponte entre os quintais, os streamings e os palcos do Brasil.
A nova geração que pulsa nos bairros e nas redes entende bem isso: a diversidade não é obstáculo — é alimento. “Estamos criando uma nova geração de grandes nomes, e Mato Grosso tem muito a dizer nisso”, afirma Pescuma, como quem sabe muito bem que a música também é lugar de pertencimento.
Cada batida é um território. Cada voz, um gesto de permanência. E, nessa colcha bordada com raízes e inventividade, cabem todos: o batuque ribeirinho, a rima urbana, o violão sertanejo que embala as redes e o tambor que chama pro quintal.
Não é exagero dizer que a música feita aqui tem a cara do Brasil. Talvez porque, nesse estado, a mistura sempre foi regra — nunca exceção. É possível, sim, que um artista do lambadão cresça ouvindo Alceu Valença; que uma cantora de siriri se emocione com Maria Bethânia; que o rap e o samba abracem a ancestralidade indígena, quilombola, ribeirinha. Contradição? Não. Isso é riqueza!
Não haverá outro Pescuma. Nem outra Dona Domingas.. Mas também não haverá quem cale o que está por vir. Porque a música, como a vida, não espera. Ela corre pelos quintais, pelas águas, pelas veias dos que insistem em cantar, mesmo quando ninguém está ouvindo.
E talvez esse seja o maior mérito da música brasileira produzida em Mato Grosso: ela canta de dentro. Não para impressionar, mas para permanecer.