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Opinião Quarta-feira, 22 de Julho de 2020, 14:53 - A | A

Quarta-feira, 22 de Julho de 2020, 14h:53 - A | A

LUANA SOUTOS

Conservador conserva o quê?

O brasileiro que odeia política entendeu que, odiando ou amando, a política atinge sua vida independentemente da sua vontade. Ele continua odiando, mas resolveu se manifestar, reproduzindo o discurso de que é “liberal na economia e conservador nos hábitos”. Sim, reproduz, porque quem diz uma coisa dessas sem ser multimilionário certamente não deve entender o que está dizendo. Você é conservador? Sim? Mas você quer conservar o quê? 

Quem se diz insatisfeito com uma sociedade violenta, corrupta, desigual, preconceituosa, quer conservar o quê? Se dizer conservador e, ao mesmo tempo, criticar esse “Brasil varonil”, se não for uma grande contradição por falta de informação, pode ser considerado um crime de omissão. Se o país desce ladeira abaixo, o conservador quer conservar o quê?  

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O Brasil é o sétimo país mais desigual do mundo – entre 206 nações. O conservador quer conservar a desigualdade? A desigualdade que lá na ponta é a causa do sofrimento de milhares de pessoas, a causa da fome, das doenças e das mortes mais terríveis e cruéis que podem existir? A desigualdade é a causa da violência, essa que faz você ter medo de ser agredido na rua por alguém que quer levar o pouco que conseguiu – dinheiro, celular, um carro. A desigualdade social pode ser o que vai causar a sua morte amanhã. Todos os dias ela leva alguém, seja pela fome, seja pelo desespero.

Embora o Brasil seja o sétimo país mais desigual do mundo, também está entre os 10 mais ricos. Mas onde está essa riqueza? Está concentrada. Há um grupo de 1% que detém 28,3% da renda que circula no país, segundo o relatório do Pnud (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), divulgado em fevereiro. São banqueiros, grandes empresários, políticos que vivem às nossas custas e não querem ter menos dinheiro para que outros tenham um pouco mais. É isso que o conservador quer conservar? Bem, se o conservador fizer parte desse 1% é possível entender, mas se não faz, é incompreensível. Não faz nenhum sentido querer mal a si mesmo.

Se bem que há quem queira conservar o sofrimento. Algumas religiões dizem que a alma se eleva com a dor. Deve ser por isso que o conservador deseja o sofrimento também a outros, que nem partilham da mesma fé. O conservador quer que os hábitos da sua religião sejam impostos, como numa ditadura. Assim, quem não quer ser submissa, não quer se casar, ter filhos, ou quer fazer tudo isso com outra pessoa do mesmo sexo será condenado a uma vida inteira de sofrimento, para que a sua alma seja salva. E há quem diga que quer conservar a família tradicional por amor e devoção. Mentira. Agredir a si mesmo e aos outros não pode garantir o reino dos céus a ninguém.

O conservador também gosta da corrupção que diz odiar. Defende o corte de benefícios a políticos, mas elege um ser humano que ficou milionário “trabalhando” quase 30 anos como deputado. Se foi por mérito, acordando cedo, se dedicando, por que outros não conseguem? Quantas pessoas já estão de pé, trabalhando, quando você acorda, e ainda assim continuam pobres? É um crime dizer que é por falta de esforço. É um crime querer conservar essa realidade. Isso é conservar a dinâmica econômica liberal-neoliberal que nós vivemos no Brasil desde sempre. Para mudar de verdade, é preciso destruir e não conservar.

Há outras inúmeras questões que demonstram que querer conservar é um erro, motivo de vergonha – inclusive alheia. Quem sabe num próximo artigo, se eu tiver estômago.

 

Luana Soutos é jornalista e socióloga.       

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