Chapas de um ferro velho, pedaços de uma lata de óleo vegetal, rodinhas que pertenceram a um berço e madeiras encontradas na rua. Com o botijão de gás a mais de R$100, estes itens se tornaram um fogão a lenha improvisado na casa da autônoma Gizelia e do aposentado Nivaldo Guedes, de 59 e 63 anos, que moram no Jardim Ibirapuera, na Zona Sul de São Paulo.
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Assim como milhares de brasileiros, a pandemia atingiu em cheio a renda da família, que hoje vive apenas com a aposentadoria do Nivaldo, que é de um salário mínimo (R$1.100). Dona Zélia, como é conhecida, e o filho do casal, de 39 anos, estão desempregados.
"Ele recebe por mês R$ 820, porque ele paga dois empréstimos, então é R$ 820 para três pessoas comerem, pagar luz, pagar água, comprar gás, comprar comida e se virar", contou Zélia. Ela ainda fala sobre os altos custos de remédios do marido, que tem angina, um problema no coração.
Com a situação apertada, dona Zélia aprendeu a fazer salgados para vender para fora. "Com essa pandemia, eu aprendi, eu entrei no tio Google, maravilhoso, que me ensinou".
O improviso, no entanto, tem provocado mais acidentes domésticos (leia mais abaixo).
No entanto, cozinhar para três pessoas e ainda assar salgados exigia um alto uso de gás de cozinha, que hoje compromete cerca de 10% da renda da família. Inspirada em outros fogões a lenha que já tinha visto na comunidade, Zélia pediu que o marido Nivaldo construísse um.
Antes de se aposentar, Nivaldo já havia trabalhado em metalúrgica e construção, atividades que lhe deram o conhecimento e habilidades necessárias para construir o fogão a lenha improvisado.
"Eu quero fazer um mais bem feito, mais para frente, para queimar menos as panelas e dar menos trabalho", contou Nivaldo.
Ainda sem a chapa correta para o novo fogão, o fogo alto derrete as tampas e cabos das panelas. Além disso, cozinhar em fogão a lenha toma mais tempo de trabalho doméstico de dona Zélia.
"Porque tem que ficar em cima, esperando o fogão cozinhar, tem que ficar olhando porque aqui o fogo é muito alto, não tem ainda um controle da chama que tem que ser feito", disse a autônoma.
Em seus 59 anos, dona Zélia nunca tinha cozinhado em um forno a lenha. No novo utensílio, os alimentos que mais costumam ir ao fogo são arroz, feijão e frango - quando é possível comprar.
"Carne [vermelha] ninguém come, né, eu estou com uma vontade de comer uma costela que só Jesus", contou Zélia.
Em junho, o governo de São Paulo lançou o “vale-gás”, um um programa para auxiliar famílias de baixa renda a comprarem botijão de gás no estado. No entanto, para recebê-lo, a família precisa fazer parte do Cadastro Único do governo federal, não receber o Bolsa Família e ter renda per capita de até R$ 178. A família da Zélia e do Nivaldo não se encaixam nestes critérios e não receberam o benefício.
Já em relação ao Auxílio Emergencial, Zélia afirma que recebeu o benefício em 2020, mas não teve a ajuda estendida para este ano. O auxílio emergencial foi prorrogado este ano para apenas parte das pessoas que receberam no ano passado, e não havia como se cadastrar para tentar recebê-lo.
No Jardim Ibirapuera, a precursora dos fogões a lenha na comunidade foi a líder comunitária Ivanete Almeida, conhecida como "Pretta". Ela construiu um fogão a lenha de tijolos ao lado de um campo de futebol, para uso comunitário.
Riscos e cuidados
O improviso de outras formas de aquecimento em vez do fogão a gás tem provocado acidentes, segundo o Corpo de Bombeiros.
O major Palumbo, do Corpo de Bombeiros, contou que a corporação vem atendendo um número maior de ocorrências. "Estamos notando alguns acidentes que vêm acontecendo nas cozinhas por uso de algum material combustível para aquecimento, seja por lenha ou álcool".
No caso da lenha, a preocupação é com a fumaça gerada pela queima da madeira. Quando o forno é corretamente planejado, é fabricado com a instalação de chaminés.
No entanto, a maior parte dos acidentes são causados pelo uso de álcool na cozinha. "Quando a pessoa utiliza o álcool em detrimento do fogão, ele pode esbarrar e cair no chão, o que causa queimaduras. E o pior, o álcool é muito volátil, ele evapora, e o vapor pode ficar no entorno da pessoas, e quando aciona o fogo, ela está no meio de uma atmosfera explosiva", disse Palumbo.
No mês passado, Geisa Sfanini, de 32 anos, morreu após ter 90% do corpo queimado após usar álcool combustível para cozinhar em uma casa em Osasco, na Grande São Paulo. Seu filho, um bebê de oito meses, também sofreu queimaduras mas se recuperou.
O major também chama a atenção para a importância da compra de botijões em lojas autorizadas. Em locais não certificados e mais barato, o botijão pode ter sido adulterado. "Tem menos gás, as pessoas colocam água e até areia dentro dos botijões", alerta.