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Cidades Sábado, 03 de Maio de 2025, 07:10 - A | A

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PARCERIA

Povos indígenas e comunidade ribeirinha fazem acordo para uso comum de território

Iniciativa estreita laços entre as comunidades e fortalece o monitoramento territorial

Túlio Paniago | Opan

Quando precisam de palhas para cobrir suas casas, moradores da comunidade ribeirinha da Barra do São Manoel (AM) e de algumas aldeias da Terra Indígena (TI) Munduruku (PA) acessam a TI Apiaká do Pontal e Isolados (MT), afinal o babaçu não é tão comum em seus respectivos territórios. Além das folhas da palmeira, eles também costumam pescar, caçar e coletar ovos de tracajá. Eventualmente os Apiaká também acessam os territórios desses vizinhos em busca de recursos mais abundantes nessas áreas. Esse intercâmbio acontece há muito tempo e agora foi formalizado. 

Elaborado e assinado por lideranças das três partes envolvidas, o “Acordo de pesca e uso tradicional em consenso na área da Terra Indígena Apiaká do Pontal e Isolados” engloba a região norte do território indígena e áreas adjacentes à foz do rio Juruena e à foz do Teles Pires (ou São Manoel), onde estão localizadas a comunidade ribeirinha e as aldeias Munduruku. 

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Na região abrangida, serão permitidas atividades de pesca, coleta de frutos e extração de recursos florestais, mas apenas por pessoas das comunidades envolvidas e exclusivamente para consumo local, sendo proibida a comercialização externa. O objetivo é conservar os recursos naturais necessários para garantir a soberania alimentar, qualidade de vida e tradicionalidade na região. 

“A gente entrou em consenso para trabalhar desta forma, um respeitando a situação e as necessidades do outro. Foi o melhor caminho que a gente encontrou junto com nossos parceiros e vizinhos. Esse acordo vai fazer parte do nosso PGTA (Plano de Gestão Territorial e Ambiental)”, explica Robertinho Morimã, cacique Apiaká da aldeia Matrinxã. 

Com participação de lideranças Apiaká, Munduruku e da comunidade da Barra de São Manoel, o acordo foi firmado em março durante oficina para elaboração do PGTA da TI Apiaká do Pontal e Isolados, que não por acaso aconteceu na comunidade ribeirinha, região da tríplice fronteira entre Amazonas, Mato Grosso e Pará, justamente onde o Juruena e o Teles Pires convergem no Tapajós. 

Como esses rios são as únicas vias de acesso ao território Apiaká em sua fronteira norte, o acordo também é importante do ponto de vista de vigilância e monitoramento territorial. “Algumas aldeias dos parentes Munduruku e, principalmente, a comunidade da Barra estão na porta de entrada do nosso território. Eles estão aqui há muito tempo e vão ser nossos olhos nessa região, por isso é importante a participação e inclusão deles no nosso PGTA”, ressalta Raimundo Paigo, liderança Apiaká da aldeia Pontal. 

Por beneficiar todos os envolvidos conforme suas necessidades, essa iniciativa baseada no diálogo e na construção coletiva tem potencial de se tornar um exemplo positivo para construção de planos de gestão mais robustos, que considerem a área, o entorno e os diferentes atores envolvidos numa mesma conjuntura socioambiental. 

“A novidade é o espírito agregador com o qual os Apiaká estão trabalhando. Além de abarcar uma discussão entre os moradores da terra indígena, também estão estendendo esse debate para os que têm relações fronteiriças com eles, de forma que se crie um contexto mais regional de proteção e de compreensão pelos melhores usos que se pode fazer dos recursos”, avalia Rinaldo Arruda, antropólogo e indigenista responsável por conduzir as oficinas de facilitação para a elaboração do PGTA Apiaká. 

O documento, que vinha sendo costurado há anos, é composto por 21 artigos especificando cada pactuação. “A gente vem fazendo isso há muito tempo, mas foi bom colocar no papel. Agora cada um sabe exatamente o que pode retirar da terra indígena. E não é uma coisa que vai retirar pra prejudicar e nem pra vender. É um uso consciente e em consenso” reforça Antônio Fernandes, uma das lideranças da comunidade da Barra de São Manoel. 

Além das aldeias do povo Apiaká (Pontal, Kanindé, Matrinxã, Mayrowi, Três Marias lll) e da comunidade ribeirinha da Barra de São Manoel, também fazem parte do acordo aldeias da TI Munduruku mais próximas à foz do Teles Pires, no caso Patuazal, Santa Cruz, Primavera, Teles Pires, Restinga, Ariramba Teles Pires, Castanheira, Vista Alegre do Tapajós e Papagaio. 

Gestão compartilhada com o ICMBio

Em setembro de 2024, depois de mais de três décadas de mobilizações e articulações, a TI Apiaká do Pontal e Isolados foi oficialmente declarada pelo Estado brasileiro, embora ainda aguarde demarcação. Eles se orgulham de dizer que, durante essa longa luta pela retomada, nenhum Apiaká perdeu a vida. 

Esse caráter diplomático tem pautado as relações dos Apiaká com seus interlocutores, sejam eles parceiros, vizinhos ou órgãos governamentais. Um bom exemplo é a gestão compartilhada com o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), resultante da sobreposição entre as áreas da TI Apiaká do Pontal e Isolados (MT) e do Parque Nacional do Juruena (PARNAju). 

Como as dimensões do Parque são bem maiores, a parte sobreposta representa praticamente a área total da terra indígena. Assim, os Apiaká e o ICMBio, responsável por gerir unidades de conservação federais, fazem a gestão compartilhada da área sobreposta.

“É o estilo de trabalho do Apiaká que possibilita essa gestão conjunta. E agora ainda estão incorporando o uso em consenso de parcelas do território por comunidades ribeirinhas e outros indígenas. É uma maneira de enfrentar as pressões externas sem se indispor com os vizinhos, mas conseguindo alianças para fortalecer esse monitoramento. Estão somando esforços”, comenta Rinaldo Arruda.

A elaboração do PGTA da TI Apiaká do Pontal e Isolados tem se caracterizado por essa proposta diplomática e dialética, prezando pelo diálogo e a construção coletiva. O ICMBio também tem participado e contribuído com as discussões, afinal o PGTA Apiaká e o Plano de Manejo do PARNAju devem estar alinhados.

“São dois instrumentos de planejamento e gestão para uma mesma área sobreposta. Eles têm muitas similaridades. Um PGTA não pode funcionar se não estiver alinhado ao Plano de Manejo da unidade de conservação. Da mesma forma, quando a gente for fazer a revisão do Plano de Manejo, é importante a participação dos indígenas. Afinal, como vamos atualizar sem consultar quem será diretamente afetado?”, pontua Juliana Carvalho Arantes, analista ambiental do ICMBio.

PGTA Apiaká e as próximas etapas

No que diz respeito ao processo de construção do PGTA, a gestão compartilhada do território e o termo de uso em consenso são temas relacionados aos eixos “Território e Ambiente” e “Organização Social e Governança”. Nos próximos encontros serão definidos os acordos dos três eixos temáticos restantes: Economia; Saúde e Segurança Alimentar; Educação e Cultura. O trabalho será concluído em 2026.

Os PGTAs refletem a gestão do território em aspectos sociais e ambientais. É um instrumento de luta política que reúne as principais diretrizes de cada povo no que diz respeito à história, organização social e política, cultura, educação, saúde, geração de renda, vigilância, monitoramento, alimentação e demais questões relevantes ao povo.

Além de uma série de acordos internos sobre diversos temas, os PGTAs reúnem instrumentos de gestão (etnomapeamento e etnozoneamento) dos territórios e constituem importante ferramenta política e de autonomia comunitária, afinal possibilitam que os povos projetem suas vozes em questões de soberania e conservação ambiental. 

A elaboração do PGTA da TI Apiaká do Pontal e Isolados e a implementação do PGTA do povo Rikbaktsa são eixos estruturantes do Berço das Águas, projeto realizado pela Operação Amazônia Nativa (OPAN) junto aos povos Apiaká e Rikbaktsa, com patrocínio do Programa Petrobras Socioambiental. 

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