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Brasil Quarta-feira, 16 de Dezembro de 2020, 08:06 - A | A

Quarta-feira, 16 de Dezembro de 2020, 08h:06 - A | A

POLÊMICA DA VACINAÇÃO

Juristas dizem que termo de responsabilidade para tomar vacina é contra lei

Bolsonaro diz que quem for vacinado deverá assinar um "Termo de Compromisso"

Luís Adorno e Nathan Lopes | UOL

A ideia do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) de exigir um "termo de responsabilidade" de quem for vacinado contra a covid-19 é criticada por médicos e juristas.

"Ele está sacaneando. A responsabilidade é do Estado", disse ao UOL o médico sanitarista Gonzalo Vecina Neto, ex-presidente da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).

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Entre juristas, três pontos são levantados:

A "Lei do Coronavírus" faz referência à vacinação como medida de combate à pandemia;

A Constituição diz que a saúde é um dever do Estado;

A Anvisa já é um órgão que assume a responsabilidade pela vacina, já que a imunização depende de aprovação da agência.

"Para isso existe uma coisa chamada Anvisa", diz Ivana David, juíza do TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo).

"Você tem uma estrutura de governo, uma estrutura de Estado. A Anvisa faz um selo de que algo é seguro, já passou por protocolos de segurança. Então, se pode consumir o remédio, a vacina", complementa. "Ou, então, fecha a Anvisa."

Bolsonaro: "Quer tomar, toma"

A declaração de Bolsonaro —que tem se colocado contrário à vacinação— acontece em meio a uma guerra política com o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), a respeito da CoronaVac, produzida pelo laboratório chinês Sinovac e pelo Instituto Butantan.

Ontem, Bolsonaro disse que quem receber a vacina deverá assinar um termo de responsabilidade. "Tem gente que quer tomar, então tome. A responsabilidade é sua. Quer tomar, toma. Se der algum problema por aí... Espero que não dê."

A proposta de um "termo de responsabilidade", agora, deverá ser incluída no relatório da Medida Provisória do consórcio global de vacinas contra a covid-19. O termo isentaria o governo federal de responsabilidades sobre efeitos colaterais.

Governo não pode se eximir

Vera Chemim, advogada constitucionalista e mestre em direito público pela FGV (Fundação Getulio Vargas), lembra que a lei já prevê a vacinação como medida de enfrentamento ao novo coronavírus, o que impede o governo de se isentar de responsabilidade. "Fazer a pessoa a assinar um termo vai contrariar o que está colocado na lei."

Ela também pontua que a Constituição, em seu artigo 6º, diz que é a saúde é um direito social. Além de ressaltar que o 196º diz que "a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação".

''A partir do momento em que ele está querendo que uma pessoa assine um termo de responsabilidade para se vacinar, ele está contrariando a Constituição.''

Com o termo de responsabilidade, Chemim e David avaliam que Bolsonaro poderia chegar a ser alvo de processo. "A partir do momento em que ele contrariaria o que está na Constituição, seria um ato de improbidade administrativa. Mas, como ele é presidente, ele estaria contrariando o que está previsto na lei de responsabilidade, na lei de impeachment", diz a advogada constitucionalista.

O Planalto foi procurado para comentar essa avaliação, mas ainda não respondeu. Assim que o fizer, o comentário será incluído no texto.

Para as juristas, a proposta de um termo seria uma tentativa de Bolsonaro de tirar a obrigação do governo sobre a vacinação. "Ele tenta tirar dele, do governo, o foco da responsabilidade. É inútil. Porque a Anvisa é do governo. A Anvisa autorizando já é a responsabilidade do governo", diz David.

''E se eu não assinar, ele vai ter que dar a vacina? Sim, porque é saúde pública. Ele não pode condicionar o tomar a vacina com assinar o termo. Qualquer juiz de direito suspende esse termo.''

As juristas dizem que, se houver necessidade de um termo para vacina, também será necessário um documento de consentimento para comprar medicamentos em farmácias. "Cada vez que eu for tomar um remédio para dor de cabeça, vou ter que assinar um termo?", comenta David. "Se a questão é responsabilidade, partiu Butantan [receber a CoronaVac]", brinca a juíza.

"Baboseira" e "irresponsabilidade"

Médicos ouvidos pelo UOL ironizaram a ideia de um termo de responsabilidade. "É uma grande baboseira. Não faz sentido nenhum", diz Fernando Aith, professor titular da Faculdade de Saúde Pública da USP (Universidade de São Paulo).

''A responsabilidade é da agência que deu o registro ou não. Ele está transferindo uma responsabilidade do Estado para um leigo que está desesperado e que vai assumir qualquer risco para fugir do inferno. É uma irresponsabilidade do presidente da República.''

"Aprovação preliminar" pode justificar ideia

O infectologista Plinio Trabasso, professor da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), diz que o termo de consentimento proposto por Bolsonaro pode ter nexo. "Como se trata de medicação com aprovação preliminar, faz sentido o termo de responsabilidade."

Ele lembra que as aprovações "ainda não existem para nenhuma vacina". "Quando a Anvisa liberar, será uma aprovação preliminar, para só depois de mais dados consolidados receber aprovação definitiva", pontua. "A assinatura desse termo não é necessária para os outros medicamentos que passaram por todo o processo —que é minucioso, mas, por isso mesmo, longo e demorado. 

Chemim diz ter a impressão de que Bolsonaro "fala demais". "Tenho a impressão de que ele não vai fazer ninguém assinar esse termo de responsabilidade", disse. "A própria AGU [Advocacia-Geral da União] deve orientá-lo de que isso [exigir termo] não será possível fazer."

Para Aith, aventar a proposta de um termo "é colocar medo nas pessoas". "E um medo desproporcional. O que dialoga bem sobre o que o governo tem feito desde o início da pandemia: não se responsabilizar por nada e deixar o vírus matar todo mundo."

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