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Brasil Quarta-feira, 23 de Julho de 2025, 11:51 - A | A

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CRUELDADE SEM LIMITES

Indígena presa ilegalmente é feita de escrava sexual durante 9 meses por cinco policiais

Vítima ficou presa com homens por nove meses e sofreu estupros repetidos

g1

A defesa de uma mulher indígena da etnia Kokama, de 29 anos, diz que a mulher foi mantida como 'escrava sexual' de policiais enquanto estava presa ilegalmente na 53ª Delegacia de Santo Antônio do Içá, no interior do Amazonas. A informação consta no pedido de indenização feito pela defesa da vítima ao Judiciário.

Em denúncia, a indígena afirma que foi abusada durante nove meses após ser presa em novembro de 2022. Os abusos teriam começado enquanto ela amamentava o filho recém-nascido, que permaneceu com ela por quase dois meses.

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Em fevereiro deste ano, a defesa da indígena ingressou com uma ação de indenização contra o Estado, pedindo R$ 500 mil pelos abusos sofridos. Em um dos trechos, o advogado da indígena destaca que o tratamento sofrido é "desumano", "cruel" e "degradante".

"Serviu como escrava sexual por um longo período de 9 meses e 17 dias dos confins da delegacia. Os danos psicológicos do estupro coletivo cometido na presença do recém-nascido e durante o período de resguardo causar efeito permanente em sua vida", contém na ação de indenização.

Segundo o advogado Dacimar de Souza Carneiro, que representa a vítima, os abusos ocorriam em diferentes áreas da delegacia — na cela, na cozinha e na sala onde eram guardadas as armas — e mesmo com o bebê ao lado. "Os policiais diziam: 'Quem manda aqui somos nós'", relata o documento. A vítima apontou como autores quatro policiais militares e um guarda municipal.

O advogado ainda destaca que, além do trauma psicológico decorrente dos abusos sofridos, a vítima desenvolveu uma doença hemorrágica em estado crítico, que, segundo ela, é consequência dos múltiplos estupros.

"A dor física adquirida em decorrência da violência sexual, soma-se à chaga psíquica profunda que marcou a alma da Autora. A depressão, as tentativas de suicídio dentro da prisão e o medo constante são testemunhas silenciosas da barbárie sofrida" diz um trecho do processo.
 
A defesa conclui ressaltando que o estado foi omisso e tem dever de indenizar e reparar todos os danos causados a dignidade da indígena. "Comprovada a falha na prestação do serviço público, caracterizada pela omissão do Estado em garantir a segurança e dignidade da Autora, emerge o dever de indenizar", completou a defesa.

O processo

A Rede Amazônica teve acesso ao processo. De acordo com a denúncia, como não havia cela feminina na delegacia, a mulher foi colocada junto com presos homens. Foi nesse contexto que os abusos começaram.

A prisão ocorreu em 11 de novembro de 2022, após uma vizinha chamar a Polícia Militar por suspeita de violência doméstica entre a indígena e o companheiro. Ao chegar à delegacia, os policiais descobriram um mandado de prisão em aberto contra ela, por suposta participação em um homicídio em Manaus, em 2018.

Já em relação aos abusos, teriam começado ainda em novembro de 2022, enquanto ela amamentava o filho recém-nascido, que permaneceu com ela na cela por quase dois meses.

O caso só foi denunciado às autoridades em 27 de agosto de 2023, quando ela foi transferida para a Unidade Prisional Feminina de Manaus nove meses após a prisão.

Ação de indenização

Entre os elementos apresentados, há o relato de que um juiz teria visitado a carceragem da delegacia antes do Natal de 2022, constatado as irregularidades e ordenado verbalmente que ela fosse retirada do local — o que não ocorreu.

"O juiz disse para o delegado que ela não era presa dele e que tinha que mandar ela embora de lá. Que sabia que ela estava com o bebê na delegacia. Depois disso, nunca mais o viu", disse a vítima em depoimento anexado ao processo.

Ela também revelou ter sido obrigada a consumir bebida alcoólica com os policiais durante os abusos. "Os estupros aconteciam à noite, nos plantões. Em todas as áreas da delegacia. Os outros presos não falavam nada porque também eram torturados".

A defesa argumenta que o Estado foi omisso ao manter a mulher presa em condições degradantes, sem qualquer assistência médica ou psicológica, mesmo estando grávida — situação que, por lei, garantiria direito à prisão domiciliar. O pedido, no entanto, ainda não foi analisado.

Além da indenização, a indígena solicita acompanhamento médico e psicológico urgente fora da prisão e que o tempo sob custódia do Estado seja contado em dobro, devido às violações sofridas.

Em nota, a Secretaria de Segurança Pública do Amazonas (SSP-AM) e a Polícia Civil informaram que foi instaurado um procedimento para apurar o caso.

Já a Polícia Militar afirmou que abriu um inquérito policial militar, atualmente em fase final de investigação.

Por meio de nota, o presidente do Tribunal de Justiça do Amazonas (TJAM), desembargador Jomar Fernandes, também determinou a imediata envio das informações sobre o caso à Corregedoria-Geral de Justiça do Amazonas (CGJ/AM) para que instaure, com a máxima urgência, à apuração dos fatos.

A Defensoria Pública do Amazonas informou que tomou conhecimento, no dia 28 de agosto de 2023, e que após o relato, solicitou o imediato encaminhamento da vítima à Delegacia da Mulher, onde foi realizado exame de corpo de delito no mesmo dia.

"A Defensoria Pública reforça a gravidade das denúncias e destaca que seguirá acompanhando o caso de forma rigorosa. A Instituição também ressalta a importância de sua presença nas unidades prisionais como instrumento de fiscalização do cumprimento dos direitos humanos das pessoas privadas de liberdade", diz um trecho da nota.

A Funai também se manifestou e disse estar apurando junto às áreas técnicas sobre o caso da indígena da etnia Kokama.

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