Dollar R$ 5,48 Euro R$ 6,31
Dollar R$ 5,48 Euro R$ 6,31

Saúde e Ciência Sábado, 18 de Janeiro de 2020, 17:35 - A | A

Sábado, 18 de Janeiro de 2020, 17h:35 - A | A

SAÚDE EM RISCO

Em Mato Grosso, seis a cada 10 partos são cesárias

Nos últimos 24 anos, número de partos normais caiu drasticamente no estado segundo dados levantados pela reportagem no DataSUS

Tarley Carvalho

A recomendação do Ministério da Saúde é que o parto seja normal sempre que possível. A intervenção cirúrgica, chamada cesariana, deve ser realizada apenas quando necessário e atingir, no máximo, 15% de todos os partos realizados. Contudo, na prática, o que se vê é um crescente movimento dessa intervenção, que põe riscos à saúde da mulher e do bebê. Levantamento feito pela reportagem junto ao Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DataSUS) mostra que em Mato Grosso o número de cesárias já ultrapassa os 60% dos partos realizados.

O levantamento relaciona números dos últimos 24 anos, de 1994 a 2017, ano da última atualização. No primeiro ano de observação, o índice mato-grossense registrava 42,78% de partos normais e 54,81% de cesarianas. O maior pico de partos normais, o recomendado, foi registrado em 2001, quando Mato Grosso registrou 54,64% de partos normais, contra 45,33% de cesarianas.

- FIQUE ATUALIZADO: Entre em nosso grupo do WhatsApp e receba informações em tempo real (clique aqui)

- FIQUE ATUALIZADO: Participe do nosso grupo no Telegram e fique sempre informado (clique aqui)

Já em 2017, os números chegam a outro patamar: apenas 38,35% dos partos realizados no estado foram normais. A cesariana registrou o índice de 61,62% dos procedimentos realizados. Os outros 0,03% dos partos teve seu tipo de procedimento ignorado. Na soma de todos esses 24 anos, os partos normais somaram 46,11% contra 53,67% de cesarianas.

A jornalista Simone Guedes sabe dos benefícios do parto normal. Mãe de um menino e duas meninas, Guedes optou pelo procedimento em seus três partos. Ela já conhecia os benefícios desse tipo de parto para ela e para o bebê, além de agradar a ideia de ter uma recuperação rápida. Além disso, ela teme fazer cesariana por se tratar de um procedimento cirúrgico.

“Eu fiz questão que fosse pelo SUS e que fosse normal novamente, primeiro pela recuperação, eu não tenho família aqui, só eu, meu marido e as crianças, então a gente tem que se virar. Eu morro de medo de cirurgia e já estudei, pesquisei, fui atrás e vi que o melhor para mim e para as crianças é que elas nascessem de forma natural, porque o corpo foi feito pra isso”, explicou.

Lis Borges, por sua vez, não teve o mesmo acesso que Simone. Ela também é mãe de três filhos. Seus dois primeiros filhos nasceram há 19 e 13 anos. Ela conta que seu desejo era ter os filhos de forma normal, porém, o parto não foi autorizado pelo médico, que a convenceu de que precisa passar por uma cirurgia, mesmo tendo condições de ter pelo processo natural.

“Há 19 anos, fizeram isso comigo e há 13 anos de novo. Quando Isac nasceu, há 10 anos, quase aconteceu de novo, fora a rejeição pela laqueadura. Isac só não nasceu por cesariana porque nasceu um dia antes da data marcada. O médico não gostou, perdeu dinheiro”, relembrou, citando a popularmente chamada “Máfia da Cesária”, uma prática que motiva a realização de cesarianas na rede particular para gerar lucro. A prática é amplamente criticada por movimentos de mulheres e órgãos governamentais.

A epidemia das cesarianas faz com que o Brasil ocupe a terceira colocação no ranking mundial desse tipo de parto. A América Latina se destaca por ter países que constem entre os 15 que mais realizam esse tipo de procedimento.

Parto normal e cesareo: entenda os benefícios e os riscos

Entre os benefícios do parto normal está a rápida recuperação da mulher, que se sente mais disposta para amamentar o bebê e cuidar dele. Para a criança, esse tipo de parto reduz o risco de nascimento prematuro e desenvolvimento de problemas respiratórios.

Muitas vezes, a mãe acaba escolhendo pela cesariana por ser um procedimento rápido e sem dor, já que se trata de uma cirurgia com anestesia e todos os outros cuidados que a intervenção requer.

Porém, ela deve ser feita quando há recomendação médica para tal. Segundo a Agência Nacional de Saúde (ANS), quando feita sem indicação médica, a cesariana aumenta em 120 vezes a probabilidade de o recém-nascido desenvolver problemas respiratórios. E não é só isso, o procedimento triplica as chances de a mãe morrer no parto.

A cesariana ainda impõe riscos como infecção e complicações pós-parto. O risco de hemorragia na mulher também aumenta. Outra complicação à qual a mulher está sujeita é o risco de morte por anestesia. Em longo prazo, também há o risco de acretismo placentário, que é quando a placenta gruda no útero.

Sistema imunológico do bebê amadurece no parto

Lançado em 2014, o documentário “Microbirth” apresenta dados que apontam para a relação entre a boa saúde humana e o parto normal. Nosso sistema imunológico, aquele que nos protege de todo ataque externo, passa por seu amadurecimento assim que sai do útero, já durante o parto.

As bactérias maternas com as quais o bebê terá contato já durante seu nascimento são benéficas e fundamentais para o organismo. Nos casos de cesariana, a criança não tem esse primeiro contato com a mãe e o amadurecimento do sistema imunológico acaba sendo prejudicado, o que trará reflexos à sua saúde por toda a vida.

O tipo de nascimento não é o fator determinante, mas algo a ser considerado no surgimento de certas doenças, como diabetes e obesidade. Isso porque há grupos específicos de bactérias para certas doenças e, se o sistema imunológico não está preparado para lidar com esse tipo de bactéria, o corpo pode responder de outra forma à presença delas.

No caso de o bebê não nascer pela via vaginal, além de não ter contato com as bactérias benéficas da mãe, ele terá seu primeiro contato com bactérias hospitalares. O risco é que essas bactérias podem se fixar ao organismo da criança, o que poderá trazer consequências futuramente.

Para se ter uma ideia da presença dessas bactérias externas – e sua importância – em nosso organismo, o documentário aponta que temos em nosso corpo 10 trilhões de células humanas, mas, ao todo, temos cerca de 100 trilhões. É um relacionamento de cooperação fundamental para a defesa da raça humana.

search