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Economia Domingo, 08 de Junho de 2025, 10:00 - A | A

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OURO DAS MATAS

Da floresta para a feira: mulheres indígenas transformam sementes em renda e resistência

Bruna Cardoso

Repórter | Estadão Mato Grosso

No coração de Mato Grosso, a floresta pulsa pela cultura dos povos originários. Seus costumes, suas danças e cores também se traduzem na confecção de peças artesanais, feitas com sementes, penas, conchas, dentes e outros elementos encontrados na natureza: as biojoias. A produção deste ouro que surge da mata é liderada por mulheres de diferentes etnias indígenas que, com a venda dessas peças, adquirem autonomia e agregam na renda familiar. A herança cultural, que hoje sustenta suas comunidades, é transmitida de mães para filhas, que além de se destacar pela qualidade e pelas cores que brilham os olhos, as biojoias tem o maior destaque pela sustentabilidade. Isto porque 87% dos brasileiros optam por comprar de empresas sustentáveis, segundo o levantamento de 2019 realizado pela agência de pesquisa norte-americana Union + Webster.

Os dados revelam que os brasileiros estão cada vez mais preocupados com o futuro dos filhos e por um mundo mais verde. Com o aumento da busca pelas peças da mata, mulheres de lideranças indígenas deram o primeiro passo ao empreendedorismo feminino e sustentável. Representada pelas filhas dessas mulheres artesãs, grupos de indígenas, de diversas etnias, representaram o município de Brasnorte (588 km de Cuiabá) expuseram os “ouros da mata” no Fit Pantanal 2025.

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O orgulho da produção das joias transparece através da conversa com Edilza Luiara da etnia Manoki. Ela explicou o processo de produção e contou também que a venda dos artesanatos por ela e pela mãe ajuda na renda familiar.

“As mulheres do meu povo fazem bastante artesanatos tanto de penas quanto de miçangas, elas vendem muito para outros povos e para os não indígenas. Lá, a renda é individual, as mulheres vendem e trazem o dinheiro para as casas delas, para auxiliar na compra de alimentos e roupas”, disse.

Edilza Luiara explicou que as mulheres Manoki colhem as sementes no meio da mata. As artesãs vão com suas filhas e familiares buscá-las, ensinando aos mais novos toda a produção da joia. Elas andam pelos rios de barco e, ao identificarem as árvores que produzem as sementes, as chacoalham, assim, as sementes caem nos barcos. Já as penas utilizadas nos artesanatos vêm da caça que os homens trazem da mata. Os dois elementos são usadas juntos na produção de uma única peça, enriquecendo-a e mostrando a diversidade das matas.

Os materiais usados revelam toda a biodiversidade local. O uso de penas e sementes da Amazônia e do Cerrado atrai consumidores de diversos lugares, pelas cores, qualidade e texturas. Um levantamento do Sebrae apontou que 34,7% dos compradores são turistas de outros estados ou estrangeiros, que se apaixonam pela cultura e pelas peças.

Outra representante das artesãs, da etnia Myky, Leticia cotou que apesar de produzir com a mãe redes, roupas e bolsas, as biojoias são os produtos mais procurados pelos turistas e os não indígenas. O “ouro das matas” passa por diversos processos e exige muito cuidado por serem produtos naturais. Na comunidade Myky, as mulheres produzem até as linhas dos colares e brincos, através das fibras da folha de tucum, que é uma palmeira (Astrocaryum vulgare) "espinhuda" como ela descreveu.

“Por isso que é muito importante o colar para a gente, porque é muito difícil a gente produzir, tem cada processo, cada artesanato que a gente faz, é um processo difícil. Por isso é importante valorizar cada peça que a gente faz”, explicou.

O processo de colher sementes e penas é o mesmo entre os povos indígenas da região. No entanto, além de comercializarem o produto final, algumas comunidades também vendem matérias-primas para a produção de biojoias. A comercialização entre comunidades está relacionada à disponibilidade de certos tipos de sementes em cada região, o que fez com que alguns grupos também se tornassem fornecedores desse mercado.

Apesar do processo demorado, os preços ainda não refletem a beleza e a história das peças. Genio Campos, da etnia Rikbaktsa, explicou que os valores de venda não correspondem à qualidade e ao trabalho envolvido. Orgulhoso da produção, ele luta por reconhecimento para valorizar as peças. Com preços justos, seria possível transformar a vida de mais mulheres da comunidade e de seus familiares.

“Estamos nos destacando com a venda em grandes eventos e também em grande parte do Brasil. As mulheres da base são guerreiras por estarem fazendo cada biojoia, porque não é fácil e o preço não agrega o verdadeiro valor, pois tem material que é difícil de encontrar na região”, contou.

Diferente de outras comunidades, Genio contou que os homens Rikbaktsa também aprendem com os mais velhos a fazer artesanatos. Entretanto, eles produzem as peças que são mais voltadas para os adornos usados em perfurações de nariz, orelhas e rituais culturais. Já as biojoias são completamente produzidas por mulheres da comunidade.

Os três representantes entrevistados produzem biojoias desde crianças e destacaram que a renda da venda complementa a alimentação da comunidade e dá autonomia às mulheres. Segundo o Sebrae, 49% das empreendedoras no estado abriram o próprio negócio em busca de liberdade e autoestima, não apenas por necessidade, realidade semelhante às comunidades Manoki, Rikbaktsa e Myky. Esses produtos competem com joias de minérios, mas, enquanto um fortalece as florestas, o outro, em geral, causa danos ambientais.

Extração de minério

Os transtornos causados pelo garimpo em Terras Indígenas (TIs), como no caso Yanomami, quase dizimaram uma comunidade inteira. O avanço da atividade ilegal agravou uma crise sanitária, levando à morte de 570 crianças de até cinco anos por doenças curáveis entre 2019 e 2022, segundo a agência Sumaúma. O garimpo prejudicou a caça, as plantações e as poças deixadas pelas escavações viraram criadouros de mosquitos da malária.

A extração de minério também afeta comunidades próximas, devido à poluição dos rios. De acordo com a Agência Brasil, o país tem 1.943 títulos para exploração de ouro, mas apenas 185 seguem critérios legais. Mesmo assim, o Brasil é um dos maiores produtores globais, com Mato Grosso entre os estados que mais extraem o mineral.

Por isso, as biojoias são símbolos de resistência dos povos originários, que buscam autonomia sem destruir a floresta. Elas fazem parte da bioeconomia, que promove o uso ecológico dos recursos. O impacto positivo vai além da renda: durante a coleta, as mulheres derrubam sementes no solo e nos rios. As que caem na terra germinam; as que vão para a água são carregadas pela correnteza, reflorestando outras áreas. Um ciclo que contribui para um futuro mais verde.

Empreendedorismo sustentável 

Driely Sena, analista do Sebrae-MT, destacou que produtos sustentáveis, como as biojoias, vêm ganhando espaço no mercado nacional. Elas se opõem à moda rápida, que incentiva o consumo desenfreado e o descarte de peças "ultrapassadas".

"As biojoias tem ganhando destaque no mercado devido à crescente valorização de produtos sustentáveis e com identidade cultural. O uso de sementes e outros insumos naturais contribuem para a redução dos impactos ambientais, pois evita a exploração de materiais industrializados ou de difícil degradação", disse.

Além da sustentabilidade, Driely ressaltou que essas mulheres veem no artesanato, transmitido por gerações, uma chance de gerar renda com recursos da floresta. Mesmo sendo mães, elas encontram tempo para conquistar independência financeira.

“Segundo a metodologia do Empretec, desenvolvida pela ONU e aplicada no Brasil pelo Sebrae, a busca de oportunidades e iniciativa é um dos principais comportamentos empreendedores. Essas mulheres, ao identificarem a disponibilidade de sementes e a necessidade de gerar renda, demonstraram esse comportamento de forma prática, convertendo um recurso acessível em produto comercializável. Além disso, dados da pesquisa do Sebrae/MT indicam que 77% das empreendedoras no estado são mães e 64% são chefes de família, o que evidencia como a maternidade e a responsabilidade familiar impulsionam muitas mulheres a empreenderem”, destacou.

Alinhado a acordos climáticos, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, e o Sebrae fecharam uma parceria para incentivar negócios sustentáveis, sem desmatamento. A iniciativa segue compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, com a 30ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), que será sediada no país.

A produção de biojoias indígenas prova que é possível gerar renda sem destruir a floresta. Esse conhecimento milenar ensina a extrair sustento da mata sem danos, garantindo um futuro melhor para todos.

 

Álbum de fotos

Arquivo pessoal | Nathan Basualdo

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Bruna Cardoso

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